Cardiomiopatia Restritiva - Ecocardiografia

Achados Ecocardiográficos na Cardiomiopatia Restritiva

1. Não há aumento da interdependência ventricular

Ao contrário da pericardite constritiva, na cardiomiopatia restritiva, a interdependência ventricular não está significativamente aumentada. Isso ocorre porque o problema está no miocárdio e não no pericárdio, mantendo a influência do ciclo respiratório sobre os fluxos valvares dentro dos limites normais.

Parâmetros: Variação do fluxo mitral durante a respiração <15% (normal)

Observação clínica: Este é um achado crucial para diferenciar da pericardite constritiva, onde a variação respiratória é marcadamente exagerada (>25%).

2. Ondas e' reduzidas com e' septal < e' lateral

Na cardiomiopatia restritiva, o Doppler tecidual mostra velocidades diastólicas precoces (e') reduzidas globalmente, mantendo o padrão normal onde a velocidade lateral é maior que a septal (e' lateral > e' septal).

Significado: Este padrão normal (mas com valores reduzidos) reflete a disfunção miocárdica difusa, em contraste com o "annulus reversus" da pericardite constritiva, onde e' septal > e' lateral.

Valores típicos: e' septal <7 cm/s, e' lateral <10 cm/s, mantendo a relação normal e' lateral > e' septal.

3. Relação E/e' média > 14 com aumento das pressões de enchimento

Na cardiomiopatia restritiva, observa-se uma relação E/e' média elevada (>14), refletindo pressões de enchimento ventricular esquerdo aumentadas. Este achado é consistente com o padrão esperado em condições de disfunção diastólica significativa.

Explicação: Como as velocidades e' estão reduzidas devido à disfunção miocárdica, enquanto a onda E do fluxo mitral permanece elevada devido às altas pressões de enchimento, a relação E/e' torna-se elevada.

Relevância clínica: Diferente do "annulus paradoxus" da pericardite constritiva, onde E/e' é <14 apesar das pressões de enchimento elevadas.

4. Não há fluxo diastólico reverso em veia hepática com a expiração

Na cardiomiopatia restritiva, não se observa o fluxo diastólico reverso em veia hepática durante a expiração que é característico da pericardite constritiva.

Explicação: A ausência deste achado ocorre porque, na cardiomiopatia restritiva, não há a acentuada interdependência ventricular causada pelo pericárdio constritivo, que na pericardite leva ao refluxo hepatovenoso durante a expiração.

5. Velocidade de propagação do fluxo mitral < 50 cm/s, com relação E/VP > 2,5

A velocidade de propagação do fluxo mitral (Vp), medida por modo-M colorido, está reduzida (<50 cm/s) na cardiomiopatia restritiva, com uma relação E/Vp elevada (>2,5).

Significado fisiopatológico: Reflete o relaxamento ventricular prejudicado, característico da doença miocárdica, em contraste com a preservação do relaxamento na pericardite constritiva (Vp >100 cm/s).

Relevância diagnóstica: Um dos critérios mais úteis para diferenciar cardiomiopatia restritiva de pericardite constritiva.

Ferramenta Diagnóstica Interativa

Marque os achados ecocardiográficos presentes no exame do paciente:

Cardiomiopatia Restritiva: Informações Clínicas

Definição

A cardiomiopatia restritiva é uma doença do miocárdio caracterizada pelo preenchimento anormal e limitado dos ventrículos durante a diástole, com função sistólica geralmente preservada. Resulta de uma redução na complacência miocárdica, levando a pressões diastólicas elevadas.

Etiologia

Classificação Causas Exemplos específicos
Infiltrativa Amiloidose Amiloidose AL (primária), AA (secundária), ATTR (hereditária ou senil)
Sarcoidose Granulomas cardíacos
Doença de Gaucher Acúmulo de glucocerebrosídeo
Doença de Fabry Acúmulo de globotriaosilceramida
De armazenamento Hemocromatose Sobrecarga de ferro cardíaca primária ou secundária
Doença de glicogênio Deficiência de enzimas do metabolismo do glicogênio
Fibrótica Fibrose endomiocárdica Comum em regiões tropicais
Síndrome hipereosinofílica Doença de Löffler
Não classificada Idiopática Diagnóstico de exclusão
Outros Causas diversas Escleroderma, radioterapia, antraciclinas, diabetes

Apresentação Clínica

  • Sintomas: Dispneia, fadiga, intolerância ao exercício, edema periférico, ascite
  • Sinais: Aumento da pressão venosa jugular, galope de S3 ou S4, hepatomegalia, ascite, edema
  • Padrão hemodinâmico: Curva de pressão ventricular diastólica em "dip and plateau", aumento das pressões de enchimento, diferença entre PDFVD-PDFVE > 5 mmHg

Características Ecocardiográficas Adicionais

  • Átrios: Dilatação biatrial frequente e acentuada
  • Ventrículos: Tamanho normal ou pequeno, espessura normal ou aumentada
  • Valvas AV: Regurgitação valvar secundária à dilatação atrial
  • Padrão de fluxo mitral: Padrão restritivo (E/A > 2, TD < 160 ms)
  • Hipertrofia ventricular: Pode ocorrer em amiloidose e outras infiltrativas
  • Strain longitudinal: Reduzido, com "apical sparing" na amiloidose
  • Textura miocárdica: Aspecto granular, brilhante na amiloidose

Tratamento

  • Tratamento da doença de base:
    • Amiloidose AL: quimioterapia, transplante de medula
    • Amiloidose ATTR: tafamidis, patisiran, inotersen
    • Hemocromatose: flebotomia, quelantes de ferro
    • Sarcoidose: corticosteróides, imunossupressores
  • Tratamento sintomático:
    • Diuréticos para controle da congestão
    • Anticoagulação em fibrilação atrial
    • Marca-passo/CDI para distúrbios de condução/arritmias
    • Evitar BB, BCC e IECA/BRA em amiloidose cardíaca
  • Terapias avançadas: Transplante cardíaco em casos selecionados

Diagnóstico Diferencial: Cardiomiopatia Restritiva vs. Pericardite Constritiva

O diagnóstico diferencial entre cardiomiopatia restritiva e pericardite constritiva é um desafio clínico importante, pois ambas podem apresentar quadros clínicos semelhantes, mas têm tratamentos radicalmente diferentes. A pericardite constritiva pode ser tratada cirurgicamente, enquanto a cardiomiopatia restritiva geralmente exige tratamento médico.

Pericardite Constritiva

  • Variação respiratória do fluxo mitral exagerada (>25%)
  • Onda e' septal preservada e e' lateral reduzida (annulus reversus)
  • Relação E/e' normal ou baixa (<14) apesar de pressões elevadas
  • Fluxo diastólico reverso em veia hepática com expiração
  • Velocidade de propagação do fluxo mitral >100 cm/s
  • "Bounce" septal interventricular
  • Pericárdio espessado (>3 mm) ou calcificado
  • Interdependência ventricular exagerada

Cardiomiopatia Restritiva

  • Variação respiratória do fluxo mitral normal (<15%)
  • Ondas e' reduzidas com e' septal < e' lateral (padrão normal)
  • Relação E/e' elevada (>14) consistente com pressões aumentadas
  • Ausência de fluxo diastólico reverso em veia hepática
  • Velocidade de propagação do fluxo mitral <50 cm/s, E/Vp >2,5
  • Ausência de "bounce" septal
  • Pericárdio de espessura normal
  • Interdependência ventricular normal

Tabela Comparativa de Parâmetros Ecocardiográficos

Parâmetro Cardiomiopatia Restritiva Pericardite Constritiva
Velocidade do anel mitral (e') Reduzida (<8 cm/s) Normal ou aumentada (>8 cm/s)
Relação e' septal/e' lateral e' lateral > e' septal (padrão normal) e' septal > e' lateral (annulus reversus)
Relação E/e' Elevada (>14) Normal ou baixa (<14)
Variação respiratória do fluxo mitral <15% >25%
Velocidade de propagação (Vp) <50 cm/s >100 cm/s
Espessura do pericárdio Normal (<3 mm) Aumentada (>3 mm)
PDFVD-PDFVE > 5 mmHg < 5 mmHg
Átrios Dilatação acentuada frequente Dilatação menos pronunciada

Casos Desafiadores

Em alguns casos, pode haver sobreposição de características:

  • Constrição miocárdica: Envolvimento do miocárdio adjacente ao pericárdio
  • Constrição transitória: Fase inicial que mostra características mistas
  • Constrição oculta: Manifesta apenas com aumento da pré-carga
  • Constrição efusivo-constritiva: Derrame com componente constritivo

Nestes casos, pode ser necessário:

  • Ressonância magnética cardíaca (fibrose miocárdica, realce tardio)
  • Tomografia computadorizada (avaliação do pericárdio)
  • Cateterismo cardíaco (avaliação hemodinâmica)
  • Biópsia endomiocárdica (infiltração miocárdica)

Referências e Literatura Recomendada

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  2. Pereira NL, Grogan M, Dec GW. Spectrum of Restrictive and Infiltrative Cardiomyopathies: Part 2 of a 2-Part Series. J Am Coll Cardiol. 2018;71(10):1149-1166.
  3. Garcia MJ. Constrictive pericarditis versus restrictive cardiomyopathy? J Am Coll Cardiol. 2016;67(17):2061-2076.
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  9. Muchtar E, Blauwet LA, Gertz MA. Restrictive Cardiomyopathy: Genetics, Pathogenesis, Clinical Manifestations, Diagnosis, and Therapy. Circ Res. 2017;121(7):819-837.

💡 Aviso Importante: Este aplicativo foi desenvolvido para fins educacionais. As informações fornecidas não substituem o julgamento clínico de profissionais de saúde qualificados. Sempre consulte um cardiologista ou especialista para diagnóstico e tratamento adequados.