Valvas Tricúspide e Pulmonar
💜 Avaliação das Valvas do Coração Direito

As valvas tricúspide e pulmonar compõem o sistema valvar do coração direito. A tricúspide controla o fluxo entre o átrio direito e o ventrículo direito, enquanto a pulmonar regula a saída de sangue do ventrículo direito para a artéria pulmonar.

Embora menos comuns que as doenças valvares esquerdas, as lesões das valvas direitas têm importante impacto clínico, especialmente em contextos de hipertensão pulmonar, endocardite, doença reumática e cardiopatias congênitas.

💙 Classificação da Severidade da Insuficiência Tricúspide
Parâmetro Leve Moderada Grave
Vena Contracta (mm) < 7 7 - 13 > 14
Área do Jato
(% Átrio Direito)
< 20% 20% - 33% > 33%
Área do Orifício (EROA) (cm²) < 0.20 0.20 - 0.39 ≥ 0.40
Volume Regurgitante (mL) < 30 30 - 44 ≥ 45
Fluxo Veia Cava Normal
(sistólico dominante)
Sistólico
diminuído
Reversão
sistólica
Fluxo Veia Hepática Normal Reduzido Reversão
sistólica
📖 Parâmetros Explicados - Insuficiência Tricúspide
Vena Contracta: Diâmetro mais estreito do jato regurgitante. É o parâmetro mais reprodutível e menos dependente de condições hemodinâmicas.

Área do Jato: Proporção entre a área do jato e a área do átrio direito. Método semi-quantitativo, limitado por dependência de fatores técnicos.

EROA: Área efetiva do orifício regurgitante pelo método PISA. Padrão-ouro para quantificação.

Volume Regurgitante: Volume que retorna ao átrio direito a cada batimento.

Fluxo Veia Cava/Hepática: Doppler pulsado mostra reversão sistólica em IT grave (sangue retorna para as veias sistêmicas durante a sístole ventricular).
🚨 Insuficiência Tricúspide Grave
Indicações de Cirurgia:
• IT grave sintomática (edema, ascite, fadiga)
• IT grave durante cirurgia valvar esquerda concomitante
• Dilatação progressiva do ventrículo direito
• Disfunção do ventrículo direito
• Dilatação do anel tricúspide (≥ 40 mm ou ≥ 21 mm/m²)

Opções:
Anuloplastia (anel protético ou sutura - De Vega/Kay)
Plastia tricúspide (reparação dos folhetos)
Troca valvar (biológica preferível)
Reparo percutâneo (TriClip, FORMA, etc. - casos selecionados)
💡 Classificação por Mecanismo - IT
IT Primária (Orgânica):
• Doença reumática
• Endocardite infecciosa (especialmente em usuários de drogas IV)
• Prolapso/Flail (degeneração mixomatosa, sd. Marfan)
• Carcinóide
• Congênita (Ebstein, displasia)
• Medicamentosa (fenfluramina, pergolida)

IT Secundária (Funcional): ⚠️ Mais comum!
• Dilatação do anel (hipertensão pulmonar, ICC)
• Disfunção do VD (isquemia, cardiomiopatia)
• Sobrecarga de volume (defeitos septais, FA)
• Tração dos folhetos por dilatação do VD

Importante: IT secundária representa > 80% dos casos. Tratar a causa de base!
💙 Classificação da Severidade da Estenose Tricúspide
Parâmetro Leve Moderada Grave
Gradiente Médio (mmHg) < 2 2 - 5 > 5
Área Valvar (cm²) > 2.0 1.0 - 2.0 < 1.0
Pressure Half-Time (ms) < 70 70 - 120 > 120
Tempo de Desaceleração (ms) < 140 140 - 240 > 240
📖 Observações - Estenose Tricúspide
Causas principais:
Doença reumática (causa mais comum) - quase sempre associada à EM
• Síndrome carcinoide
• Endocardite com vegetações grandes
• Congênita (atresia tricúspide)
• Tumores (mixoma atrial direito)
• Marcapasso/eletrodos endocárdicos

⚠️ Doença rara! Estenose tricúspide isolada é extremamente incomum. Quando presente, geralmente está associada a lesões valvares esquerdas, especialmente estenose mitral.

Sinais clínicos: Congestão venosa sistêmica (hepatomegalia, edema, ascite), onda "a" proeminente no pulso jugular, sopro diastólico aumentado com inspiração (sinal de Rivero-Carvallo).
⚠️ Estenose Tricúspide Grave
Tratamento:
Diuréticos para congestão venosa
Cirurgia (plastia ou troca valvar) indicada em pacientes sintomáticos, especialmente se já houver indicação de cirurgia para valvas esquerdas
Valvuloplastia por balão raramente é opção (anatomia geralmente desfavorável)

Prognóstico: Depende principalmente das lesões valvares associadas e da função do VD.
💜 Classificação da Severidade da Insuficiência Pulmonar
Parâmetro Leve Moderada Grave
Largura do Jato
(% VSVE)
< 25% 25% - 50% > 50%
Vena Contracta (mm) < 6 6 - 9 > 9
Pressure Half-Time (ms) > 200 100 - 200 < 100
Tempo de Desaceleração (ms) > 400 200 - 400 < 200
Densidade do Jato (Doppler) Tênue Intermediária Densa
Fim de Diástole Sem fluxo
em tele-diástole
Fluxo presente Fluxo holodiastólico
+ encurtamento
📖 Parâmetros Explicados - Insuficiência Pulmonar
Largura do Jato: Razão entre a largura do jato no mapeamento de fluxo em cores e o diâmetro da via de saída do VD (VSVE).

Vena Contracta: Diâmetro da porção mais estreita do jato logo após a valva pulmonar.

Pressure Half-Time (PHT): Tempo para o gradiente diastólico cair pela metade. PHT curto indica regurgitação grave (equalização rápida das pressões).

Tempo de Desaceleração: Tempo de desaceleração do fluxo diastólico regurgitante. Quanto menor, mais grave.

Densidade do Jato: Jato denso ao Doppler contínuo sugere alta velocidade e grande volume regurgitante.

Fluxo Holodiastólico: Presença de fluxo regurgitante durante toda a diástole, incluindo tele-diástole, indica IP importante.
💡 Etiologia e Contexto Clínico - IP
Causas mais comuns:
Hipertensão pulmonar (causa mais comum em adultos) - dilatação do anel
Pós-cirurgia de Tetralogia de Fallot (correção com patch transanular)
• Endocardite infecciosa
• Síndrome carcinoide
• Doença reumática (rara, geralmente com lesões esquerdas)
• Dilatação idiopática da artéria pulmonar
• Congênita (ausência de folheto, valva bicúspide)

IP Fisiológica: Traço ou IP leve é comum em pessoas normais (até 70% dos adultos) e geralmente não tem significado clínico.

Importante: Em pacientes com Tetralogia de Fallot corrigida, IP grave crônica leva a dilatação progressiva do VD e deve ser monitorada de perto com RM cardíaca.
🚨 Insuficiência Pulmonar Grave
Indicações de Intervenção:
• IP grave sintomática (dispneia, arritmias, insuficiência cardíaca)
• Dilatação progressiva do ventrículo direito
• Disfunção do VD (FE < 45%)
• Arritmias ventriculares sustentadas
• Em pós-op de Tetralogia de Fallot: VD volume > 160-170 mL/m² ou FE VD < 45%

Opções terapêuticas:
Troca valvar cirúrgica (biológica preferível)
Implante percutâneo de valva pulmonar (PPVI - Melody, Sapien) em casos selecionados (VSVE nativa ou prótese pré-existente)
• Tratamento da causa de base (hipertensão pulmonar, endocardite)
💜 Classificação da Severidade da Estenose Pulmonar
Parâmetro Leve Moderada Grave
Velocidade Máxima (m/s) < 3.0 3.0 - 4.0 > 4.0
Gradiente de Pico (mmHg) < 36 36 - 64 > 64
Gradiente Médio (mmHg) < 25 25 - 40 > 40
Área Valvar (cm²) > 2.0 1.0 - 2.0 < 1.0
📖 Observações - Estenose Pulmonar
Tipos de Estenose Pulmonar:
Valvar (90% dos casos) - fusão comissural, displasia
Subvalvar (infundibular) - hipertrofia muscular da VSVE
Supravalvar - estenose da artéria pulmonar ou de ramos pulmonares

Etiologia:
Congênita (causa mais comum) - valva bicúspide, displásica
• Síndrome de Noonan (displasia valvar)
• Síndrome carcinoide
• Doença reumática (rara, quase sempre com lesões esquerdas)
• Pós-cirúrgica

Importante: A velocidade máxima é o parâmetro mais usado para classificação. Usar equação simplificada de Bernoulli: Gradiente = 4 × (Velocidade)².
⚠️ Estenose Pulmonar Grave
Indicações de Intervenção:
• EP grave sintomática (dispneia, fadiga, síncope, angina)
• EP grave assintomática com:
  - Gradiente de pico > 64 mmHg (ou > 60 mmHg em alguns guidelines)
  - Disfunção do ventrículo direito
  - Hipertrofia acentuada do VD
  - Insuficiência tricúspide significativa
  - Arritmias

Tratamento de escolha:
Valvuloplastia pulmonar por balão (primeira linha para EP valvar típica)
  - Taxa de sucesso > 90%
  - Complicações baixas
  - Pode deixar IP residual leve-moderada (geralmente bem tolerada)

Cirurgia (valvotomia ou ressecção infundibular) reservada para:
  - Anatomia desfavorável para balão (displasia grave, anel hipoplásico)
  - Componente subvalvar ou supravalvar importante
  - Falha da valvuloplastia por balão
✅ Prognóstico
Estenose Pulmonar tratada tem excelente prognóstico!

• Valvuloplastia por balão proporciona alívio duradouro na maioria dos casos
• Reestenose é rara (< 10%)
• Insuficiência pulmonar residual é comum, mas geralmente leve e bem tolerada
• Seguimento ecocardiográfico periódico é recomendado (a cada 1-3 anos)
• EP leve-moderada assintomática pode ser acompanhada clinicamente sem intervenção

Importante: Profilaxia de endocardite NÃO é mais recomendada para EP isolada (exceto em contexto de endocardite prévia ou prótese valvar).
📝 Considerações Gerais sobre Valvas Direitas
⚠️ Pontos Importantes
1. Avaliação multiparamétrica: Assim como nas valvas esquerdas, use múltiplos parâmetros para classificação. Nenhum parâmetro isolado é perfeito.

2. Influência respiratória: O fluxo através das valvas direitas aumenta com a inspiração (aumento do retorno venoso). Isso pode alterar gradientes e áreas de jato. O sinal de Rivero-Carvallo (aumento do sopro com inspiração) é característico de lesões do lado direito.

3. Dependência do VD: A função do ventrículo direito é fundamental na avaliação. Dilatação e disfunção do VD são critérios importantes para decisão cirúrgica.

4. Hipertensão pulmonar: Sempre avaliar a pressão sistólica da artéria pulmonar (PSAP) pelo jato de regurgitação tricúspide. A hipertensão pulmonar influencia gravidade e prognóstico.

5. Lesões associadas: IT e IP secundárias são comuns em contexto de lesões valvares esquerdas ou hipertensão pulmonar. Sempre avaliar todo o aparelho valvar.

6. Congênitas vs Adquiridas: Lesões do lado direito são mais frequentemente congênitas (especialmente EP). História clínica é fundamental!

7. Imagem complementar: Ressonância magnética cardíaca é excelente para avaliar VD (volumes, massa, função) e é considerada padrão-ouro, especialmente em cardiopatias congênitas.

8. Endocardite do lado direito: Mais comum em usuários de drogas IV. IT por endocardite geralmente envolve o folheto anterior (mais vascularizado).
💡 Dicas para o Laudo Ecocardiográfico
Para Insuficiência Tricúspide:
• Sempre estimar a PSAP (fundamental para contexto clínico)
• Descrever mecanismo (primária vs secundária)
• Medir diâmetro do anel tricúspide (importante para decisão cirúrgica)
• Avaliar tamanho e função do VD
• Documentar sinais de hipertensão pulmonar
• Avaliar veias cavas e hepáticas (congestão sistêmica)

Para Estenose Pulmonar:
• Reportar velocidade máxima E gradiente de pico (principais parâmetros)
• Diferenciar nível da obstrução (valvar, subvalvar, supravalvar)
• Descrever anatomia valvar (útil para planejamento de valvuloplastia)
• Avaliar função e hipertrofia do VD
• Pesquisar IP associada
• Avaliar artéria pulmonar e ramos (dilatação pós-estenótica, estenoses de ramos)

Sempre mencionar:
• Função do ventrículo direito (qualitativa: normal, redução leve/moderada/grave)
• Tamanho do VD (normal, levemente/moderadamente/gravemente dilatado)
• PSAP estimada (se houver jato de IT mensurável)
• Átrio direito (tamanho, congestão venosa)